Parlamento do Moçambique: Reprodução
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“Transições” da democracia moçambicana em perspectiva: desafios para as políticas públicas à luz do Programa Quinquenal do Governo (1995-1999)

O processo de formação de um Estado Moderno pressupõe a criação de mecanismos que viabilizem a participação democrática dos cidadãos nos mais diversos níveis de decisão política. Assim, no quadro da organização do Estado, além da garantia do “pleno acesso dos cidadãos à vida pública”, através de exercício de direitos e liberdades políticas, como o direito de criação e filiação em partidos e associações políticas e as liberdades de expressão e opinião, reunião e de direito à informação
Maputo, Moçambique
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Na década de 90, Moçambique observou diversas transformações inspiradas na lei mãe – a Constituição de 1990. De acordo com o art. 1º da mesma, Moçambique passou a ser considerado um Estado democrático. Na alínea f) do art. 11, do texto constitucional se apresentam os objetivos fundamentais, dos quais se evidencia o reforço da democracia (MOÇAMBIQUE, 1990). Visto por esse ângulo, novos imperativos desafiaram o país, especificamente, no campo das políticas públicas, entendido como totalidade de ações, metas e planos (DYE, 1972), que os governos, sejam eles nacionais, estaduais ou municipais traçam para alcançar o bem-estar da sociedade e o interesse público, visando resolver problemas reais da sociedade, calcados em nome de problemas públicos (DYE, 1972; DUNN, 2014).

Em Moçambique, a exigência democrática se impôs sobre os processos de concepção, formulação e implementação de políticas públicas. Desde a independência em 1975, diante de uma estrutura centralizada, influenciada pelo Partido Estado (Frente de Libertação de Moçambique – FRELIMO) – “Partido único” até 1990 (MEQUE, 2013), a responsabilidade desses processos se localizava, tanto no Governo, quanto nas elites dominantes, onde a sociedade civil moçambicana participava em espaços de debate público por imposição e condicionalismo dos doadores ao Governo (PEREIRA, 2008).

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O imperativo democrático, caracterizado pela criação de mais espaços de participação na vida pública; o pluralismo político; o surgimento da sociedade civil autónoma levou os diversos segmentos da sociedade a se envolverem no processo político, seja no sentido de conquista de poder político (por exemplo: o processo eleitoral), a solução de conflitos relacionados com a escolha de objetivos políticos ou os meios de atingir os objetivos (por exemplo: os processos de barganha) e, a elaboração de normas e a disposição de regras para sua execução (por exemplo: o processo legislativo e o processo de elaboração de normas) (ROBERTS, 1972). Na II República, o sistema democrático em Moçambique construiu um parlamento representativo, novas formações políticas, meios de comunicação de massas públicas e privadas (televisão, jornais, rádios), organizações sociais e civis, liberdade de opinião, instituições de ensino secundário e superior (NGOENHA, 1993; 2004).

O Plano Quinquenal do Governo (PQG) para o período de 1995 a 1999, aprovado já em um contexto democrático, pela Resolução n. 4/95, de 9 de maio já apontava para essa direção (MOÇAMBIQUE, 1995). De acordo com o mesmo, um dos objetivos do País, a ser alcançado por meio do Plano era reconduzir Moçambique para a via da estabilidade e do desenvolvimento” (MOÇAMBIQUE, 1995, p. 22).

O processo de formação de um Estado Moderno pressupõe a criação de mecanismos que viabilizem a participação democrática dos cidadãos nos mais diversos níveis de decisão política. Assim, no quadro da organização do Estado, além da garantia do “pleno acesso dos cidadãos à vida pública”, através de exercício de direitos e liberdades políticas, como o direito de criação e filiação em partidos e associações políticas e as liberdades de expressão e opinião, reunião e de direito à informação (MOÇAMBIQUE, 1995, p. 39)., referido processo, na concepção do PQG (1995-1999) surtiria efeitos positivos com a organização da Administração Pública, incidindo sobre a profissionalização da Função Pública e à adequação da mesma às exigências do “novo” quadro constitucional.

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Havia nesse período a compreensão de que a confiança entre a administração e os cidadãos seria concretizada por medidas de avaliação periódica de realização dos objetivos às exigências dos administrados (MOÇAMBIQUE, 1995). Em nome da eficiência e eficácia na realização das tarefas do Estado, uma das ações eleitas foi a “institucionalização de critérios de transparência no funcionamento do Estado” e a “promoção da participação dos cidadãos na administração pública através de mecanismos de concertação” (MOÇAMBIQUE, 1995, p. 40). No mesmo sentido, havia preocupação em relação à descentralização da administração pública; à defesa da legalidade e organização da justiça; à defesa da soberania nacional e da integridade territorial, à ordem pública e à comunicação social.

De acordo com Lentner (2006), a globalização pressionou o Estado, uma vez que emergiu com novos problemas. Em decorrência disso, nas agendas políticas há pessoas preocupadas em fazer política focando em duas direções: (1) com referência ao mundo externo e no sentido de aconchegar novas questões e atores e (2) com referência a processos internos. A primeira está direcionada à Política Externa (PE), vocábulo que expressa uma distinção entre os ambientes externo e interno. PE é definido como sendo a parte da atividade do Estado voltada para o exterior. É a parte que lida com o oposto da política interna (MERLE, 1984). As ações de um Estado no plano internacional envolvem a satisfação do interesse nacional (REYNOLDS, 1977); “prioridades, expectativas; alianças” (MERLE, 1984) e “metas” (WEBBER; SMITH, 2002).

Explica Lima (2013, p. 144), que “a política externa passa a ser uma entre outras políticas governamentais sujeitas aos mesmos procedimentos de controle e regulação próprios de contextos democráticos”, no sentido em que “(i) as políticas interna, externa […] compõem um continuum do processo decisório e (ii) a política externa nºao se diferencia das demais políticas públicas” (SANCHEZ; SILVA; CARDOSO; SPÉCIE, 2006). Partindo desses pressupostos, que concebem a política externa como política pública, vale a pena visualizar a preocupação do Estado moçambicano nesse sentido, considerando o período da vigência do PQG (1995-1999), no qual estava a em vigor a Constituição da República de Moçambique (CRM) de 1990.

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A CRM de 1990, no quadro da PE, reiterou sobre a necessidade de estabelecimento e desenvolvimento de relações de amizade e cooperação com outros povos e Estados (uma preocupação que já vinha desde a Constituição da República Popular de Moçambique de 1975) e assegura a observância e aplicação dos “princípios da Carta da ONU e a Carta da Organização da Unidade Africana” (MOÇAMBIQUE, 1990, p. 6). Mesma preocupação é aferida no PQG (1995-1999), onde “a definição da ação externa do Estado encontra seus fundamentos e justificação na necessidade de defesa e realização dos interesses do Estado moçambicano” (MOÇAMBIQUE, 1995, p. 42), fundados na “participação criativa, livre e democrática de cada um e da sociedade civil no seu conjunto” (MOÇAMBIQUE, 1995, p. 22).

A tese defendida ressalta o fato da corrida democrática ter suscitado uma apreciação dos processos de elaboração de normas e dispositivos legais, no sentido de se aferir se tais atividades espelham efetivamente os anseios e aspirações daqueles que serão seus destinatários. Essa preocupação resulta da necessidade de satisfação do interesse público, que permeia o Estado e outros segmentos da sociedade civil e o setor privado, tomando em consideração que as políticas públicas afetam o bem-estar de todos os cidadãos.

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Referências

  1. MOÇAMBIQUE. Constituição da República de Moçambique (CRM). Boletim da República. Assembleia Popular, Maputo, 1990.
  2. MOÇAMBIQUE. Constituição da República Popular de Moçambique de 1975. Disponível em: <http://cedis.fd.unl.pt/wp-content/uploads/2016/02/CONST-MOC-75.pdf>. Acesso em: 03 ago. 2021.
  3. MOÇAMBIQUE. Plano Quinquenal do Governo para o período de 1995 a 1999. Boletim da República. Assembleia da República. Maputo, 1995
  4. NGOENHA, S.E. Os tempos da filosofia: filosofia e democracia moçambicana. Maputo: Imprensa Universitária, 2004.
  5. NGOENHA, S.E. Filosofia africana: das independências às liberdades. Maputo: Edições Paulistas, 1993.
  6. ROBERTS, Geofrey K. Dicionário de Análise Política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
  7. MARCEL, Merce. La politique étrangère. Paris: Press Universitaires de France, 1984.
  8. LENTNER, Howard H. Public Policy and Foreign Policy: Divergences, Intersections, Exchange. In: Review of Policy Researc, vol, 23, n. 1, pp. 169-181, 2006.
  9. LIMA, Maria Regina Soares de. Relações internacionais e políticas públicas: a contribuição da análise de política externa. In: A política pública como campo multidisciplinar.
  10. MARQUES, Eduardo; FARIA, Carlos Aurélio de (org). São paulo: Editora UNESP; Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013.
  11. SANCHEZ, Michelle Ratton; SILVA, Elaini C. G. da; CARDOSO, Evorah L.; SPÉCIE, Priscila. Política Externa como Política Pública:Uma análise pela regulamentação constitucional brasileira (1967-1988). In: Rev. Sociol. Polít. Curitiba, vol. 27, pp. 125-143, nov, 2006.
  12. PEREIRA, Amilcar F. Processos de elaboração de Políticas Públicas em Moçambique: O caso do PARPA e do Programa Quinquenal do Governo. Yaoundé: CODESRIA: Yaoundé, 2008.
  13. MEQUE, Ana Maria Ismael. A influência das Instituições de Bretton Woods nas políticas públicas de Moçambique (1975-2010). 2013. 94 f. Dissertação (Mestrado Conjunto em Ciência Política, Governação e Relações Internacionais - Universidade Católica de Moçambique, Beira, 2013. Disponível em: https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/19328/1/ANA%20MEQUE-%20tese.pdf>. Acesso em: 9 abr. 2022.
  14. DYE, Thomas. R. Understanding Public Policy. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1972.
  15. DUNN, William N. Public Policy Analysis: an Introduction. 16. ed. London: Pearson Prentice Hall, 2014.

Cite-nos

Nhatave, Guirino. “Transições” da democracia moçambicana em perspectiva: desafios para as políticas públicas à luz do Programa Quinquenal do Governo (1995-1999). Forca de Judas, Porto Alegre, v. 2, n. 3, 2022. Disponível em: <https://revista.judasasbotasde.com.br/322022/transicoes-da-democracia-mocambicana-em-perspectiva-desafios-para-as-politicas-publicas-a-luz-do-programa-quinquenal-do-governo-1995-1999/>. Acesso em 21-10-2024

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