As grandes mudanças internacionais ocorridas entre o final da década de 1980 e o início da década de 1990, sob o impacto da “Guerra Fria” (1945-1991)[i]Utiliza-se a periodização da “Guerra Fria” de Thompson (1982), abrindo o caminho para o avanço da “Terceira Onda” da democratização (HUNTINGTON, 1994) – cujo início pode ser colocado em 1974 com a Revolução dos Cravos, em Portugal (associada ao capitalismo globalizado na sua forma neoliberal) – marcaram o atual cenário político-econômico e social dos países africanos, em particular de Moçambique, embora o país da África Oriental já tenha iniciado o processo de transição logo depois da independência, em 1975. Nesta perspectiva, é mister saber que na Constituição da República Popular de Moçambique (CRPM). de 1975, em seu artigo primeiro, são fixados os princípios constitucionais da criação do “Estado soberano” (MOÇAMBIQUE, 1975), característica a partir da qual o País passou a se configurar como um Estado moderno, uma vez que adquiriu a ordem administrativa e jurídica (WEBER, 2000; 2004).
O segundo processo de transição tem como marco a adoção da segunda Constituição da República em 1990, na qual fortaleceu-se a passagem de Moçambique para a democracia. Na conjuntura da década de 1990, o desafio era o de instalar novas instituições e regras para o jogo político, o que permitiu a realização das primeiras eleições multipartidárias em 1994. Vale a pena lembrar que a opção de Moçambique à democracia não é uma decisão exclusivamente exógena nem endógena (ou melhor, solitária) de motivações internas, uma vez que depois de 1975 países de diferentes áreas em via de desenvolvimento – países latino-americanos e africanos recém-saídos do jugo colonial – adotaram a democracia como regime de governo.
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De 1977 a 1992, o país se viu mergulhado em uma guerra civil (VINES, 1988), envolvendo o Governo da República de Moçambique (Frente de libertação de Moçambique – FRELIMO) e as forças insurgentes da Resistência Nacional de Moçambique (RENAMO), que culminou com a assinatura do Acordo Geral de Paz de Moçambique (AGP), aprovado pela Lei 13/92 de 14 de outubro. Trata-se de um tratado assinado em Roma entre o Governo da República de Moçambique e a RENAMO (MOÇAMBIQUE, 1992), ratificado também pelo ex-Presidente da República de Moçambique, Joaquim Alberto Chissano e pelo Presidente da Renamo, Afonso Macacho Marceta Dhlakama em 4 de outubro de 1992.
Muitas vezes a guerra civil moçambicana ou mesmo o seu fim é apontado como o início da democratização do País. Essa afirmação não é totalmente correta. Tal como referido anteriormente, a institucionalização das novas democracias, sobretudo nas últimas três décadas do século XX, é uma consequência da terceira onda de democratização. O próprio AGP elucida que o processo negocial de Roma visava “o estabelecimento de uma paz duradoura e de uma sólida democracia” (MOÇAMBIQUE, 1992, p. 2).
É necessário destacar que a Constituição de 1990 é anterior ao AGP, assinado dois anos depois. A Lei mãe informa no artigo 3, intitulado “Estado de Direito Democrático”, que a República de Moçambique é um Estado de Direito, baseado no pluralismo de expressão, na organização política democrática, no respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais do Homem (MOÇAMBIQUE, 1990). Não obstante, a própria Constituição já contemplou o conjunto de Direitos, Deveres e Liberdades Fundamentais, nos quais se embasam a liberdade de expressão e informação, o direito à liberdade de reunião, manifestação e de associação, bem como a liberdade de constituir, participar e aderir a partidos políticos, entre outros. Logo em seguida, o AGP veio a clarificá-los, sobretudo no que diz a respeito à implementação da democracia multipartidária, de acordo com a qual os partidos políticos deveriam concorrer livremente para a formação e manifestação da vontade popular e para a participação democrática dos cidadãos nos processos de Government/Governance do País (MOÇAMBIQUE, 1992).
O Protocolo II do AGP atinente aos critérios e modalidades para a formação e reconhecimento dos Partidos Políticos reiterou sobre a necessidade de observância da Lei dos Partidos Políticos, aprovada pela Lei 7/91 de 23 de janeiro, visando estabelecer as regras da criação e funcionamento dos partidos políticos. O mesmo era visto no País como sendo uma garantia legal para a participação política dos cidadãos, no sentido de garantir a unidade nacional, o reforço do espírito patriótico dos cidadãos e a consolidação da nação moçambicana. Em sequência, o AGP determinou também sobre a natureza, princípios gerais, deveres, direitos e registro dos partidos políticos.
Levando em consideração que Moçambique estava a experimentar uma democracia recente, o AGP serviu sobretudo de instrumento didático para informar/recordar o povo moçambicano sobre seus direitos constitucionalmente consagrados. O mesmo chamou a atenção sobre a elaboração da Lei Eleitoral, deixando clara a obrigatoriedade do Governo de proceder quaisquer ações relacionadas ao processo eleitoral se coordenação e consultando à RENAMO e outros partidos políticos. A questão da liberdade de imprensa e do acesso aos meios de comunicação veio ao debate, tendo como cerne a proibição da censura. Enfim, foi reforçada a liberdade de associação, expressão e propaganda política.
Visto por este ângulo, é possível concluir que dois processos caracterizam o ideário da democracia em Moçambique: o contexto internacional, marcado pelo avanço das novas democracias entre a década de 1990 e a as primeiras décadas do século XXI, e outro doméstico, estritamente ligado a sua consolidação, no cenário da guerra civil moçambicana e do Acordo Geral de Paz, o qual propiciou o diálogo entre os diferentes segmentos da sociedade com vista a acautelar a soberania do povo moçambicano, a paz duradoura e a consolidação de uma democracia sólida.
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