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“Transições” da democracia moçambicana em perspectiva: interconexões entre a guerra civil, o Acordo Geral de Paz e o contexto internacional

De 1977 a 1992, o país se viu mergulhado em uma guerra civil (VINES, 1988), envolvendo o Governo da República de Moçambique (Frente de libertação de Moçambique - FRELIMO) e as forças insurgentes da Resistência Nacional de Moçambique (RENAMO), que culminou com a assinatura do Acordo Geral de Paz de Moçambique (AGP), aprovado pela Lei 13/92 de 14 de outubro
Maputo, Moçambique
guirinonhatave@judasasbotasde.com.br

As grandes mudanças internacionais ocorridas entre o final da década de 1980 e o início da década de 1990, sob o impacto  da “Guerra Fria” (1945-1991)[i]Utiliza-se a periodização da “Guerra Fria” de Thompson (1982), abrindo o caminho para o avanço da “Terceira Onda” da democratização (HUNTINGTON, 1994) – cujo início pode ser colocado em 1974 com a Revolução dos Cravos, em Portugal (associada ao capitalismo globalizado na sua forma neoliberal) – marcaram o atual cenário político-econômico e social dos países africanos, em particular de Moçambique, embora o país da África Oriental já tenha iniciado o processo de transição logo depois da independência, em 1975. Nesta perspectiva, é mister saber que na Constituição da República Popular de Moçambique (CRPM). de 1975, em seu artigo primeiro, são fixados os princípios constitucionais da criação do “Estado soberano” (MOÇAMBIQUE, 1975), característica a partir da qual o País passou a se configurar como um Estado moderno, uma vez que adquiriu a ordem administrativa e jurídica (WEBER, 2000; 2004).

O segundo processo de transição tem como marco a adoção da segunda Constituição da República em 1990, na qual fortaleceu-se a passagem de Moçambique para a democracia. Na conjuntura da década de 1990, o desafio era o de instalar novas instituições e regras para o jogo político, o que permitiu a realização das primeiras eleições multipartidárias em 1994. Vale a pena lembrar que a opção de Moçambique à democracia não é uma decisão exclusivamente exógena nem endógena (ou melhor, solitária) de motivações internas, uma vez que depois de 1975 países de diferentes áreas em via de desenvolvimento – países latino-americanos e africanos recém-saídos do jugo colonial – adotaram a democracia como regime de governo.

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De 1977 a 1992, o país se viu mergulhado em uma guerra civil (VINES, 1988), envolvendo o Governo da República de Moçambique (Frente de libertação de Moçambique – FRELIMO) e as forças insurgentes da Resistência Nacional de Moçambique (RENAMO), que culminou com a assinatura do Acordo Geral de Paz de Moçambique (AGP), aprovado pela Lei 13/92 de 14 de outubro. Trata-se de um tratado assinado em Roma entre o Governo da República de Moçambique e a RENAMO (MOÇAMBIQUE, 1992), ratificado também pelo ex-Presidente da República de Moçambique, Joaquim Alberto Chissano e pelo Presidente da Renamo, Afonso Macacho Marceta Dhlakama em 4 de outubro de 1992.

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Muitas vezes a guerra civil moçambicana ou mesmo o seu fim é apontado como o início da democratização do País. Essa afirmação não é totalmente correta. Tal como referido anteriormente, a institucionalização das novas democracias, sobretudo nas últimas três décadas do século XX, é uma consequência da terceira onda de democratização. O próprio AGP elucida que o processo negocial de Roma visava “o estabelecimento de uma paz duradoura e de uma sólida democracia” (MOÇAMBIQUE, 1992, p. 2). 

É necessário destacar que a Constituição de 1990 é anterior ao AGP, assinado dois anos depois. A Lei mãe informa no artigo 3, intitulado “Estado de Direito Democrático”, que a República de Moçambique é um Estado de Direito, baseado no pluralismo de expressão, na organização política democrática, no respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais do Homem (MOÇAMBIQUE, 1990). Não obstante, a própria Constituição já contemplou o conjunto de Direitos, Deveres e Liberdades Fundamentais, nos quais se embasam a liberdade de expressão e informação, o direito à liberdade de reunião, manifestação e de associação, bem como a liberdade de constituir, participar e aderir a partidos políticos, entre outros. Logo em seguida, o AGP veio a clarificá-los, sobretudo no que diz a respeito à implementação da democracia multipartidária, de acordo com a qual os partidos políticos deveriam concorrer livremente para a formação e manifestação da vontade popular e para a participação democrática dos cidadãos nos processos de Government/Governance do País (MOÇAMBIQUE, 1992).

O Protocolo II do AGP atinente aos critérios e modalidades para a formação e reconhecimento dos Partidos Políticos reiterou sobre a necessidade de observância da Lei dos Partidos Políticos, aprovada pela Lei 7/91 de 23 de janeiro, visando estabelecer as regras da criação e funcionamento dos partidos políticos. O mesmo era visto no País como sendo uma garantia legal para a participação política dos cidadãos, no sentido de garantir a unidade nacional, o reforço do espírito patriótico dos cidadãos e a consolidação da nação moçambicana. Em sequência, o AGP determinou também sobre a natureza, princípios gerais, deveres, direitos e registro dos partidos políticos.

Levando em consideração que Moçambique estava a experimentar uma democracia recente, o AGP serviu sobretudo de instrumento didático para informar/recordar o povo moçambicano sobre seus direitos constitucionalmente consagrados. O mesmo chamou a atenção sobre a elaboração da Lei Eleitoral, deixando clara a obrigatoriedade do Governo de proceder quaisquer ações relacionadas ao processo eleitoral se coordenação e consultando à RENAMO e outros partidos políticos.  A questão da liberdade de imprensa e do acesso aos meios de comunicação veio ao debate, tendo como cerne a proibição da censura. Enfim, foi reforçada a liberdade de associação, expressão e propaganda política.   

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Visto por este ângulo, é possível concluir que dois processos caracterizam o ideário da democracia em Moçambique: o contexto internacional, marcado pelo avanço das novas democracias entre  a década de 1990 e a as primeiras décadas do século XXI,  e outro doméstico, estritamente ligado a sua consolidação, no cenário da guerra civil moçambicana e do Acordo Geral de Paz, o qual propiciou o diálogo entre os diferentes segmentos da sociedade com vista a acautelar a soberania do povo moçambicano, a paz duradoura e a consolidação de uma democracia sólida.

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Notas de rodapé

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i Utiliza-se a periodização da “Guerra Fria” de Thompson (1982)

Referências

  1. MOÇAMBIQUE. Constituição da República de Moçambique (CRM). Boletim da República. Assembleia Popular, Maputo, 1990.
  2. MOÇAMBIQUE. Constituição da República Popular de Moçambique de 1975. Disponível em: <http://cedis.fd.unl.pt/wp-content/uploads/2016/02/CONST-MOC-75.pdf>. Acesso em: 03 ago. 2021.
  3. MOÇAMBIQUE. Acordo Geral de Paz. Boletim da República. Assembleia da República, Maputo, 1992 Disponível em: <https://gazettes.africa/archive/mz/1992/mz-government-gazette-series-i-supplement-dated-1992-10-14-no-42.pdf>. Acesso em: 07 ago. 2021.
  4. HUNTINGTON, Samuel. A Terceira onda: democratização no final do século XX. São Paulo: Ática, 1992.
  5. THOMPSON, E.P. Beyond the Cold war. London: Merlin Press, 1982.
  6. VINES, Alex. Still Killing: Landmines in Southern Africa. In: COCK, Jacklyn; MCKENZIE; Penny. From Defence to Development: redirecting military resources in South Africa. Ottawa: International Development Research Centre, 1998.
  7. WEBER, Max. Conceitos sociológicos fundamentais. In: Economia e Sociedade. Vol.1. Brasília: editora Universidade de Brasília, 2000.
  8. WEBER, Max. Conceitos sociológicos fundamentais. In: Economia e Sociedade. Vol. 2. Brasília: editora Universidade de Brasília, 2004.

Cite-nos

Nhatave, Guirino. “Transições” da democracia moçambicana em perspectiva: interconexões entre a guerra civil, o Acordo Geral de Paz e o contexto internacional. Forca de Judas, Porto Alegre, v. 2, n. 3, 2021. Disponível em: <https://revista.judasasbotasde.com.br/232021/transicoes-da-democracia-mocambicana-em-perspectiva-interconexoes-entre-a-guerra-civil-o-acordo-geral-de-paz-e-o-contexto-internacional/>. Acesso em 26-12-2024

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