Chapada Diamantina: Kennedy Silva
2 min.

Sobre bicho grilo e grafismos rupestres

De um ponto de vista antropológico, é muito difícil interpretar um painel de grafismos sem outros registros materiais das sociedades de origem dos/as seus executores/as. Temos aqui problemas metodológicos de reconstituição do contexto, do significante e do significado. Então, o que fazer diante deles?
Alagoas, Brasil
marcospaixao@non-user.com.br

Bicho grilo, para quem não sabe, é aquele tipo de conduta que leva os humanos a entrarem em qualquer mato com mais de um metro de altura, sentindo, ali, as mais sublimes conexões entre o ser e elo fundamental. Mesmo que ao final do dia eu prefira dormir numa bela cama – agora tem até aquele lance dos fios, não é? –, também me considero um tipo de bicho grilo. Sendo preto, espero que os demais bichos não se ofendam.  Foi numa dessas idas ao mato que travei um papo chato, que escolhi para ser a primeira crônica aqui nesse espaço. Se eu não voltar, já sabem.  Axé!

O campo desse baba (pelada, em baianês) foi um sítio arqueológico lá em Morro do Chapéu, Bahia. Um compadre, mesmo sem thc, acreditem, queria me convencer que os registros rupestres que víamos remetiam a discos voadores, extraterrestres e cultos religiosos iniciáticos. E mais! Citava fulana e beltrano, gente de renome na área, que afirmava o dito. E tem mesmo, basta pesquisar.

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Sim, acho fascinante pensar nos grafismos rupestres e todo dispêndio de energia necessária mobilizar para fazê-los. Tem técnica e tecnologia ali, e, possivelmente, parte daquele movimento comum de exteriorizar o espírito humano, como dizia o ainda mais chato e controverso Hegel. No limite, penso até que podemos apropriar esses grafismos como arte, entendida como uma estética que comunica, ritualiza e/ou desloca o olhar de quem faz e de quem vê. Daí a querer afirmar o que essas pinturas diziam na época na época, eu acho pura viajem.

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De um ponto de vista antropológico, é muito difícil interpretar um painel de grafismos sem outros registros materiais das sociedades de origem dos/as seus executores/as. Temos aqui problemas metodológicos de reconstituição do contexto, do significante e do significado. Então, o que fazer diante deles? Acho que estudá-los em relação a alguns aspectos formais, geológicos, botânicos, além de preservá-los, é claro.

No fim e ao cabo, penso que meu compadre navegava naquele registro narcísico que nos faz torcer e retorcer a expressividade humana até que ela caiba em um eixo de identificação e/ou estranhamento mútuo. Sim, pois quem estranha também fala sobre si.  Nesse registro, as coisas não podem ser em si mesmas.  “Como assim eles podem ter simplesmente pintado?”.

As vezes imagino o tipo de sujeito que saía para riscar paredes há 10.000 anos, enquanto a maior parte da comunidade provavelmente tentava comer e não ser comida.  Ao invés da ilação que faz dele um sacerdote conectado ao céu, meu narcisismo busca mais um bicho grilo e curioso papeando com um compadre no meio de meio metro de mato, de frente a uma rocha, queimando minério, misturando tinta e trocando ideias sobre quem veria as suas pinturas quando eles já não estivessem ali. A curtição de fazer nada enquanto se faz alguma coisa. Mais humanos, menos extraterrestres.

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Referências

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Paixão, Marcos. Sobre bicho grilo e grafismos rupestres. Forca de Judas, Porto Alegre, v. 1, n. 1, 2020. Disponível em: <https://revista.judasasbotasde.com.br/112020/sobre-bicho-grilo-e-grafismos-rupestres/>. Acesso em 06-12-2024

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